Filhos de Nossa Terra
O quadro “Filhos de Nossa Terra”, no qual são contadas as histórias de pessoas nascidas na região e que moram em outras cidades ou países, traz repetidamente uma questão: a saudade. As adversidades que a pessoa que deixou sua terra natal terá que enfrentar sozinha é a segunda parte mais árdua de morar longe, afinal, a parte mais difícil é conviver diariamente com a saudade da família.
Alguém pode dizer que morar longe da família é ser solitário, mas, para quem mora longe, é sentir que se está presente nos corações de quem ama, não importa a distância. Além disso, quem vive longe daqueles que ama, aprende que a saudade dói, mas que a coragem é um poder.
É na simpática tecnológica cidade de São José dos Campos, um município brasileiro situado no Vale do Paraíba Paulista, no interior do estado de São Paulo, que reside o protagonista do “Filhos de Nossa Terra” desta edição: Odir Mayer, natural da comunidade de Santa Fé, interior do município de Itapiranga. Odir atua como Militar da Força Aérea Brasileira há mais de 23 anos e, como todo leitor assíduo, escreve com o coração. Através de uma bagagem incrível, ele divide conosco um pouco da sua história de vida. Boa leitura!
JE: Apresentação
Odir: Meu nome é Odir Mayer, tenho 46 anos. Sou filho de Lino Antônio Mayer e Otilia Mayer. Meus irmãos são Márcia (Florianópolis), Cristina e Felipe (Linha Santa Fé Baixa). Sou natural de Itapiranga, mais precisamente de Linha Santa Fé Baixa. Atualmente moro em São José dos Campos-SP. Meu cônjuge é Tatiane Machado Gabriel, natural de Porto Alegre-RS. Nossos filhos são William de 12 anos e Nicole, 10 anos.
JE: Quando e por que decidiu se mudar da região?
Odir: Em fevereiro de 1997, após o término do Ensino Médio, e após ter sido aprovado em vestibular na UFSC, saí de Itapiranga. Fui para Florianópolis-SC (1997 a 2009). Depois, em função de transferências profissionais, moramos em Porto Seguro na Bahia (2010 a 2015), Cascavel no Paraná (2015 a 2022) e agora São José dos Campos, em São Paulo.
Vários fatores contribuíram para minha saída de Itapiranga. Na época, não havia o o à informação, como é hoje através da internet. Não havia faculdades, cursos preparatórios para vestibular ou concursos públicos. Sou de uma época em que muita gente da minha geração saiu a procura de oportunidades. As melhores chances eram em cidades maiores (Chapecó, Blumenau, Florianópolis, Porto Alegre, Santa Maria, etc). Com o ar dos anos, alguns voltaram (afinal, quem bebeu da água do Rio Uruguai, sempre volta), e esse êxodo também foi diminuindo. Graças ao o a informação, os investimentos em estrutura educacional/infraestrutura e ao aumento da qualidade de vida da região, hoje bons talentos ficam e contribuem no desenvolvimento local. Esta é uma explicação básica do porquê me mudei de Itapiranga.
Sobre a experiência de morar em outros locais, posso dizer que conhecer pessoas, fazer amigos, vivenciar outras culturas, experimentar novas gastronomias, conhecer inúmeros pontos turísticos Brasil afora, é de uma surrealidade indescritível. Só fez eu e minha família orgulhar ainda mais do solo brasileiro em que nascemos.
JE: Qual sua profissão?
Odir: Sou Militar da Força Aérea Brasileira. Durante 23 anos da minha carreira pertenci a unidades militares do DECEA (Departamento de Controle do Espaço Aéreo) subordinada ao Comando da Aeronáutica. O DECEA é a organização responsável pelo controle do espaço aéreo brasileiro, provedora dos serviços de navegação aérea que viabilizam os vôos e a ordenação dos fluxos de tráfego aéreo no País.
A partir deste ano, ei a pertencer ao DCTA (Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial). É uma organização militar e instituição científica e tecnológica do Comando da Aeronáutica à qual compete planejar, gerenciar, realizar e controlar as atividades relacionadas com a ciência, tecnologia e inovação, no âmbito da Força Aérea Brasileira.
Sou 2º Sargento Especialista em istração. Minha formação foi na Escola de Especialistas de Aeronáutica (EEAR), em Guaratinguetá-SP. Também sou graduado em Ciências Contábeis. Minha atuação tem sido nas áreas istrativo-financeiras das organizações militares pelas quais ei.
JE: Por que escolheu essa profissão?
Odir: Em 1995 fui dispensado por ser excesso de contingente no Exército Brasileiro, em São Miguel do Oeste. Embora que, na época, não sabia muito bem o que queria da vida ainda.
Em 1999, por um acaso do destino, entrei na FAB através de concurso público. A partir daí minha vida tomou rumo e se organizou. ei a ter certeza de que era isso que queria fazer. Servir às Forças Armadas tem seus problemas, inúmeros são os desafios profissionais e pessoais. No entanto, tive experiências, projetos e viagens por esse Brasil afora, que eu não teria tido se estivesse trabalhando em outro lugar.
JE: É considerada uma profissão de risco?
Odir: Sim. A condição de ser militar sempre é um risco. O fato de tirar serviço armado e ser encarregado por instalações militares de equipamentos, pesquisa e defesa nacional nunca é tranquilo. No dia em que o militar está de plantão, sempre fica em estado de alerta.
JE: Como se dá o processo de contratação?
Odir: O ingresso nas Forças Armadas se dá de várias formas. De modo geral, concurso público para quem quiser seguir carreira e convocação e/ou análise curricular para temporários. Há desde o recrutamento de jovens soldados com ensino fundamental até várias áreas de nível superior. Seja efetivo ou temporários. Há desde atletas militares até doutores pesquisadores de tecnologia aeroespacial.
JE: Como foi sua jornada até ser contratado/chegar ao cargo atual?
Odir: Como todo jovem itapiranguense do interior, trabalhei na roça, com boi, arado e carroça. Depois, quando minha família começou na suinocultura, fui para dentro do galpão trabalhar com os leitões. Fui estudante do Colégio São Vicente (1984 a 1992) e da FUNEI (1993-1996). Poderia citar cada um dos professores que tive, aos quais sou muito grato, pois o conhecimento adquirido (que, como citei acima, era muito valioso) me ajudou demais na vida. Também tenho que citar meu pai e minha mãe, que sempre deixavam eu estudar quando precisava. Inclusive o concurso do IBGE que fiz em 1996, foi meu pai que me estimulou a fazer. Sempre gostei de ler muito. Era frequentador assíduo (diário) da Biblioteca Pública Municipal Rui Barbosa. Ganhei algumas viagens por ter sido bom leitor aliado a boas redações (aos meus professores de Português com carinho). Sempre fui muito agraciado, tanto pela família que tenho, pais e irmãos, companheira e filhos, quanto pelo time de professores e formadores que tive a vida inteira. Sempre recebia mais que pedia, e pedia mais que merecia. Portanto, sou muito grato.
JE: É considerada uma profissão disputada atualmente?
Odir: Servir nas Forças Armadas sempre é um paradoxo. Para seguir carreira, através de concurso público, é relativamente uma profissão disputada. Já na condição de militar temporário, não é tanto. O atrativo para os temporários pode ser a remuneração, que é um pouco acima do mercado de trabalho civil. No entanto, o índice de desistência e pedidos de baixa é grande, por vários motivos (baixa remuneração na carreira, horários de trabalho diferenciados, escalas de serviço, outras carreiras mais atrativas, dedicação integral, algumas restrições civis, punições mais severas, etc.). Enfim, como em toda organização, é uma questão de perfil. Uns se adaptam, outros não.
JE: Quais as vantagens de trabalhar na FAB?
Odir: As experiências que uma Instituição dessa magnitude oferece aos seus militares. O grande círculo de amigos que se constrói (hoje tenho amigos pelo Brasil inteiro). Onde quer que vá, sempre sou bem recebido e boas risadas são dadas. O conhecimento, sempre dinâmico, que é adquirido e aperfeiçoado. As virtudes que se desenvolvem: resiliência, espírito de corpo, camaradagem, a curiosidade técnica pela profissão/especialidade. Os desafios inerentes que realmente abrem a cabeça. Uma coisa interessante que fui desenvolvendo com tempo: a simplicidade material/intelectual, ou seja, viver e trabalhar bem, sem exagero de coisas e/ou informações. Fazer bem o que tem de ser feito.
JE: Já trabalhou em outras áreas antes?
Odir: Em 1996 fui Agente Censitário Municipal de Itapiranga. Coordenamos a contagem da população e o censo agropecuário do município. Trabalhei 2 meses (eu acho) no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Itapiranga. Em Florianópolis, trabalhei 1 ano e alguns meses no Golden Bingo (na época em que Bingos ainda eram legalizados).
JE: Curiosidades da profissão, fatos interessantes ou inusitados já vivenciados.
Odir: Inúmeros são os fatos vivenciados. Vou aproveitar o espaço para citar alguns que não citei no decorrer acima. Sou catarinense, minha companheira é gaúcha, nossos filhos são baianos, moramos no Paraná e agora estamos em São Paulo. Tudo junto e misturado. A personalidade vai se construindo com cada cultura regional, num imenso país chamado Brasil. Eis o resumo de tudo: sou brasileiro, nascido nesta terra, banhada pelo Rio Uruguai, chamada de Itapiranga (a famosa Pedra Vermelha).
Minha companheira de vida, a Sra. Tatiane, assim como os meus filhos, sempre tiveram que se adaptar às transferências e às novas rotinas. No final das contas, quem serve a nação é o militar e sua família. A Sra. Tatiane também é militar (do Exército Brasileiro), ingressou em Cascavel-PR, e, em função da minha transferência, veio transferida para Taubaté-SP, no 2º Batalhão de Aviação do Exército, do Comando de Aviação do Exército. O que já era puxado ficou mais ainda. Não raras as vezes, eu que cuido da casa, levo as crianças para a escola, levo para o dentista, médico, vou as compras, etc, etc.
Ademais, os 12 anos em Florianópolis-SC, os 05 anos em Porto Seguro-BA (inclusive recebemos visita de uma excursão de Itapiranga lá uma vez, e isso foi muito emocionante), os 08 anos em Cascavel-PR, sempre nos trouxeram muitas alegrias nas chegadas e muita tristeza nas partidas. Despedir-se de um círculo de ótimas amizades, que esqueceremos jamais, é muito difícil. Isso é tão difícil quanto foi ver minha mãe chorando no dia que eu saí de Itapiranga.
JE: Considerações finais.
Odir: Não sabemos o futuro. Não nos pertence ainda. Mas como falei acima, quem bebeu da água do Rio Uruguai sempre volta. Tive duas experiências que me fizeram pensar muito: em 2021, iria ser intubado em virtude do Covid-19. Fiquei alguns dias internado, estava indo ladeira abaixo. Graças a decisões acertadas dos médicos envolvidos, saí dessa. Ainda em recuperação, com essa 2ª chance de vida, renascido, aconteceu o que ninguém esperava: a partida (precoce) do meu querido pai, em um acidente de trabalho. E isso, que ele se preocupou tanto comigo. Não deu mais tempo de ir vê-lo. Mas foram 8 excelentes anos perto da minha família. Há apenas 350km de Itapiranga. Deu para viajar bastante (tudo era motivo para ir para Santa Fé Baixa).
Sempre que posso, vou para Itapiranga. As raízes mais profundas puxaram em direção ao Rio Uruguai. E isso não se arranca mais. Quem bebeu da água do Rio Uruguai sempre volta.
Agradeço a oportunidade que o Jornal Expressão deu para me “Expressar”.
Para Frente e Para o Alto!



